O Baobá de Macaíba
- da Redação
- 19 de set. de 2017
- 3 min de leitura
Por Marcius Cortez [publicitário e escritor]
Começa assim. Eu com a mão na casca do tronco do Baobá na Praça em Macaíba. A árvore então falou: "Marcius, vá amanhã ao Solar Ferreiro Torto". No dia seguinte, uma força logo me conduziu para a estátua do escravo que tem nos jardins do Ferreiro Torto. A estátua então me falou: "Acompanhe meus passos". Eu obedeci ao Absalão, nome que inventei para o escravo. Corri na frente dele. Ai veio aquele barulho, buuuuum! Era o tiro. Vi que foi meu tetravô quem atirou, da janela do Ferreiro Torto. Absalão, atingido nas costas, capengou, mas continuou andando. Escutei outro barulho, mas não foi tiro. Foi um grito doido, desesperado. Absalão, já andando com muita dificuldade caiu morto, nos braços de sua amanda, Maria Rosa, moça branquinha que nem Camélia, filha do Coronel Estevam José Barbosa de Moura. Passado o trauma, a jovem casou e formou família.
Agora estou a conversar com a filha de Maria Rosa, minha bisavó que também se chama Maria Rosa, na casa onde morava, pertinho da Igreja do Rosário, em Natal, numa daquelas ladeiras de onde se avistam o Rio Potengi e a linha do trem. A velha era marrenta, o que dizia que você não podia rebater. Tinha que ouvir calado. Para provocá-la perguntei se era verdade que vovô Estevam matara o escravo Absalão. Foi impressionante a reação da velha dama. Ela tirou os olhos de mim e os dirigiu para a bandeja onde tinha um abacaxi que comprar na feira. Fui rápido e peguei a fruta, antes de vovó jogá-la em mim. Falhou o gesto, mas a boca não falhou. Ela me xingou de tudo que era nome e carimbou a última palavra: "Vovô Estevam era um homem de bem, o homem mais rico do Rio Grande do Norte. Nunca matou ninguém seu pirralho complexado".
Vovó do Trem morreu de causas naturais. Nunca disse para ela que eu sabia que o Coronel Estevam e a esposa, Dona Maria Rosa mataram Perrudo, o Governador do RN, no dia 11 de abril de 1838. Crime acobertado e nunca punido. Já se passaram 176 anos. Desde aqueles tempos tem gente que tem licença para matar e roubar. Mas devo dizer que algo me intrigou enormemente. Toda vez que visito o Ferreiro Torto, sinto-me bem de fazer parte de tudo aquilo. Da ruína sanguinária e da ruína histórica. Me alegra ver a figura de Absalão, de costas para o Solar, altivo, forte, belo. Ele me faz lembrar Euclides da Cunha (Os Sertões): "Toda uma companhia do 7º, naquele momento, fez fogo por alguns minutos, sobre um jagunço, que vinha pela estrada de Uauá. E o sertanejo não apressava o andar. Parava às vezes. Via-se o vulto impassível e depois a caminhar, tranquilamente. Era um desafio irritante. Os soldados atiravam sem parar enquanto o jagunço parecia comprazer-se em ser alvo de um exército. Em dado momento, ele sentou-se à beira do caminho e pareceu bater o isqueiro, acendendo o cachimbo. Os soldados riram. O Vulto levantou-se e encobriu-se, lento e lento, entre as primeiras casas".
Penso seriamente que foi o baobá de Macaíba que protegeu o jagunço de Euclides da Cunha (1866-1909). A mesma sorte não ocorreu com Absalão. Penso que é mais fácil desafiar o País do que querer mudar sentimentos seculares de poder e opressão.
Esta crônica é dedicada a Lírio Ferreira que em seu filme, Sangue Azul, começou com o sublime palhaço Paulo César Perio e Terminou com o bruxo Ruy Guerra, das glórias da cultura brasil.

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