Iago Oliveira: Diário de um PM
- da Redação
- 6 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
Vestiu-se de cinza, quase que de luto, abriu a porta do quarto do filho e admirou o sono de seu filho enquanto rezava a Deus pra que ao fim do dia pudesse chegar em casa e o pegar acordado. Tomou seu café e antes de sair, deu mais um último beijo em sua mulher. Armou-se! Desta vez com a oração e com a fé, afinal, aquele Velho 38 e o colete à prova de balas perto de vencer, já não são mais suficientes.
Mais um dia, mais um último dia. "Até quando? Meu Deus!" Questionava o homem de cinza! Aquele que é pago para manter a paz, já não estava mais em paz. Buscando resolver o problema de todos, esqueceu os seus e entrou na viatura que já o esperava do lado de fora.
Segue o dia.
Um chamado! O primeiro de mais um longo dia. Em jargões já conhecidos por todos que estavam no carro, o rádio falava que havia ocorrido um assalto e o único carro que estava próximo era o que ele estava. Após arriscar a vida no meio do transito caótico, chegaram ao local da ocorrência, era trote! Como se não bastasse todos os problemas, ainda tem que lidar com mais este.
Segue o dia.
Após uma conciliação de vizinhos e uma bem sucedida prisão em flagrante, chega a hora do almoço. Pega seu vale alimentação, no valor de R$ 10,00 e junto aos seus colegas de profissão procuram um local que consigam se alimentar com aquele valor irrisório. Prato feito à 10 reais e com direito a um copo de suco, não era o melhor local, nem a melhor comida, mas era o único local que o vale alimentação conseguia ofertar. O dono do estabelecimento, em reconhecimento ao serviço prestado à sociedade, ofertou um pedaço extra de carne para cada e uma jarra de suco, alguns olhavam aquilo com ojeriza e comentavam aos burburinhos: "Olha! Policial se vendendo por um pedaço de carne e um gole de suco". Situações desse tipo, já não eram mais estranhas diante de um país tão corrupto, atos de solidariedade são apenas vistos como corrupção.
Segue o dia.
O banzo bate, hora da sesta mas não existe tempo pra dormir, o que resta é sonhar acordado e o único sonho é voltar pra casa. Mais um chamado, desta vez o rádio aclamava socorro, era uma outra guarnição que, na tentativa de evitar um assalto, se envolveram em uma intensa troca de tiros.
Em disparada pensava nos irmãos que estão necessitados de ajuda e na família deles que estavam em casa, por alguns minutos confundiu sua vida e seus problemas com a do seus irmãos de farda.
Conseguiram chegar a tempo de ajudar e com as bênçãos do Divino, nenhum policial saiu ferido. 3 detidos, nenhum ferido, operação exitosa. Graças a Deus! Todos levados pra a delegacia e assim ia terminando o dia.
Início da noite, após entrevistas, os heróis de cinza seguiam para o turno da noite, buscaram se alimentar. Jantaram. A noite ia tranquila, até que grita o rádio avisando de mais uma ocorrência, "POLICIAL BALEADO EM ASSALTO A ESPETINHO, VÍTIMAS NO LOCAL", como se numa nave, correm querendo voar e rapidamente chegam ao local, era tarde! Uma lona preta cobria um corpo que por tantas vezes vestiu cinza. Enquanto perguntam características dos bandidos e como foi o ocorrido, de longe uma pessoa corria aos berros em direção ao corpo e naquela alma em prantos, os policiais que la estavam um enxergou sua mulher, outro viu seu filho e o último aos prantos falou a todos que la estavam:
"Lá se vai mais um guerreiro! Mais um pra a estatística! Mais um que vai virar apenas uma nota de rodapé nos jornais! Mais um que, mesmo de folga, buscou fazer o seu papel de defender a sociedade! Mais um que saiu sem ver seu filho e deu mais um último beijo na esposa, uma pena que dessa vez não haverá o próximo! Mais um que será homenageado e logo após esquecido! Mais um que terá uma nota de pesar dos meios oficiais e apenas isso! Mais uma família que perde seu ente querido! Mais um pai de família! Mais um policial!"
Enxugou as lágrimas e quando deu por si, já era fim do seu turno.
Foi pra casa, abraçou seu filho! Deu um beijo na mulher e dormiu.
Acordou! Vestiu-se de cinza, quase que de luto, abriu a porta do quarto do filho e admirou o sono de seu filho enquanto rezava a Deus pra que ao fim do dia pudesse chegar em casa e o pegar acordado. Tomou seu café e antes de sair, deu mais um último beijo em sua mulher...
Imagem: Ilustração
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