Domingos Sávio de Oliveira: A Soleira
- da Redação
- 6 de jul. de 2017
- 2 min de leitura
Por Domingos Sávio de Oliveira
Muita gente, principalmente os mais jovens, talvez não saiba o que é uma soleira. Trata-se da parte inferior da porta da casa, rente ao chão. É um termo muito usado pelos interiores do Brasil, principalmente no meio rural. Tem a serventia extra de agregar pessoas.
Pois é, essa parte inferior da porta da frente, da casa do sítio do meu avô Celso Lyra de Oliveira, é que eu quero homenagear. Soleira esta que se transformava numa verdadeira sala de bate-papo a céu aberto. Ao cair da noite nas minhas férias escolares aconteciam as costumeiras reuniões. Ali se passava a limpo a vida das pessoas, contavam-se histórias, causos e os últimos acontecimentos.
A vida pregressa de nossos familiares e dos entes queridos, que já haviam nos deixado, estavam sempre na pauta. Tratava-se de um ritual. Ao término do jantar, nossos avós, tios e primos reuniam-se na porta da frente da casa para prosear, já que não existia televisão no sítio. Sentados em cadeiras, troncos de árvores e na própria soleira da porta, a conversa corria solta. Isso até o primeiro participante, quase sempre o mais velho, dar um sinal, através de uma caprichada bocejada, que estava na hora de se recolherem para o merecido descanso.
As crianças, medrosas como eu, se aconchegavam no colo ou se agarravam às pernas dos pais, para se protegerem das tenebrosas estórias de assombração contadas ali. O difícil, depois, era dormir em quarto separado. "Paieeê tô com medo! Eu quero beber água!". Assim chamávamos os pais no quarto ao lado para amenizar o medo que sentíamos.
Na soleira, também aprendíamos as lições de uma boa educação, tal como respeitar os mais velhos, cedendo-lhe nosso lugar para que pudessem sentar assim que chegassem à roda. Aprendíamos a cumprimentar todas as pessoas, tanto na chegada como na saída, e muitas outras coisas que nos ajudaram a moldar nosso caráter num sólido alicerce da vida.
Foi ali, na soleira que ouvi meu avô falar sobre o suicídio de Getúlio Vargas, a vitória de Juscelino Kubitschek de Oliveira - aquele que prometeu fazer em cinco anos o que os governos anteriores não fizeram em cinquenta. Era uma verdadeira aula de história.
Na soleira, recebíamos os mascates de roupa, o fotógrafo e tantos outros vendedores de bugigangas. Ali recebíamos, com alegria e o coração aberto, todos quantos nos visitavam.
Mas nenhuma dessas passagens me marcou tanto como o dia que deixamos de visitar o velho sítio jardim. Deixamos para trás uma rica infância, de pesca piaba, de armar arapucas para mocó, das caçadas com estilingue, das brincadeiras de pique, dos banhos de cacimbão e tantas outras riquezas que o campo me proporcionou. Confesso que ainda sinto quando na memória me vêm estas doces lembranças! Foi uma das épocas mais marcantes e ricas de minha vida.

Imagem: Ilustração / chaocaipira.org.br
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