A Lamparina!
- da Redação
- 21 de jun. de 2017
- 2 min de leitura
Por Domingos Sávio de Oliveira
Se recordar é viver novamente, então devo ter o dobro da minha idade, pois vivo recordando! As recordações alimentam minha alma com coisas simples vividas em tempos idos.
Dias atrás, conversando com um amigo, ouvi:
- Não sei como conseguíamos viver sem celular, internet, ar condicionado, carros, aviões, trens velozes, etc.
Nossa conversa foi tomando outro rumo e começamos a falar sobre as coisas que fizeram parte de nossas vidas por muitas décadas, assim como as lamparinas. E assim fomos esticando a conversa para dar tempo de tomar mais uma taça de vinho. Então, eu lhe respondi:
- Só vivíamos sem estas coisas modernas porque não tínhamos referencias. Se nos privarem de tudo isso, o mundo entrará em colapso, porque agora conhecemos o valor dessas coisas e o quanto elas facilitam nossas vidas.
No Jardim o sítio do meu avô Celso e minha avó Sophia, apesar de já termos luz elétrica em Natal, em Monte Alegre até a metade dos anos 70 não tínhamos energia elétrica, sítio esse muito frequentado nas férias por mim e quase todos os primos. Lembro que no sítio tinha várias lamparinas que ficavam guardadas numa prateleira em nossa despensa – local destinado a guardar mantimentos.
Ao lado delas meu pai sempre deixava uma caixa de fósforos para acendê-las. Após o jantar sempre tinha o bate-papo e o jogo de domino entre meus tios, eu claro preferia ficar ouvindo as histórias do meu avô. Nas noites de chuva, depois de fortes trovões, relâmpagos e até raios nas proximidades do sítio, sentíamos um medo aterrorizante, e o “paieeê tô com meeeedo” vinha de todos os cantos da casa.
Tanto eu como meus primos tínhamos pavor do escuro e de chuvas fortes acompanhadas de trovões. Diante da escuridão, a santa lamparina nos acudia e iluminava a casa, nos passando autoconfiança, principalmente depois de nos aninharmos entre nossos pais em um macio e barulhento colchão de palha. Aí, até os salpicos da chuva fria caindo do telhado se tornavam agradáveis, pois nossa casa não era forrada e havia apenas paredes dividindo os cômodos.
Alguns de meus tios nasceram pelas mãos de uma parteira e sob a luz de uma lamparina. Depois de nosso rádio Semp de oito faixas, do fogão de lenha de minha avó, era a lamparina o utensílio mais útil de nosso pequeno, mas aconchegante sítio.
Apeguei-me tanto a elas que aprendi a gostar do cheiro de querosene queimado e da fuligem que formava em nossas paredes brancas cobertas com apenas uma mão de cal. Lamparina a querosene que iluminou silenciosamente por muitos séculos as lições das cartilhas escolares de gênios, intelectuais, pobres e ricos de todo mundo. Lamparina, você que iluminou angústias, alegrias e tristezas de várias gerações. Lamparina que iluminou nascimentos e mortes, receba minha homenagem, porque além de ter sido minha companheira nas infindáveis noites no sítio jardim ao longo de muitas férias nos anos 70. Que sua chama abençoada não se apague nunca!

Foto: Ilustração / blog Cinzas e Rosas

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