Um café em uma noite chuvosa
- da Redação
- 5 de jun. de 2017
- 3 min de leitura
Por Domingos Sávio de Oliveira Todos nós temos alguma coisa que nos remete instantaneamente à outra época, com um simples contato, cheiro, imagem, som ou gosto. Temos, na verdade, várias dessas “coisas”, uma para cada momento da vida e cada uma tem sua própria intensidade, seu próprio espaço na linha do tempo. Hoje estou usando uma das minhas mais fortes: o café que meu pai Olavo Maciel de Oliveira preparava. Meu pai costumava fazer um café delicioso, que ele chamava de “morto no pau”, consistia em aquecer a água e jogar o pó na água e deixar decantar. Ele, normalmente, era preparado em dias frios, dias de chuva no sítio, quando não podíamos fazer nada além de jogar dominó, sentindo o seu cheirinho e o gosto quente ao descer pela garganta. Adorava! Era um cheiro de aconchego, um gosto de carinho de pai, temperado por palavras doces, no ambiente mágico da minha infância. Apesar de esse não ser exatamente igual ao que meu pai fazia – jamais será, sem o toque mágico de suas mãos – ao degustar o meu café, as lembranças se tornam vivas e quase que ouço as risadas do meu pai bem-humorado ao fundo, sempre falando algo engraçado ou rindo do que fazíamos. Quase posso sentir o chão gelado, de lajota e a mesa quente, o barulho da chuva, o barulho da casa, sempre tão viva; os grilos lá fora a noite ou o balançar das palhas dos coqueiros, que beiravam toda a frente da casa, assanhando-se com o vento. Transporto-me, misturando o gosto do café com todas as outras sensações: todos os cheiros, ruídos, imagens e sentimentos. Funciona. E como! Guardo esse café somente para dias em que preciso do seu carinho pai, dias silenciosos, quando não ligo de esquecer o presente e dar um passeio pelo meu passado no Sítio Jardim. Não necessariamente um dia triste, mas aquele dia em que cairia bem o colo de seu Olavo para conversar. E conversávamos muito… O café traz alguns sintomas, além do efeito costumeiro da cafeína: traz um leve aperto no coração, uma felicidade com pontinha de tristeza, traz saudade. E por que se utilizar de uma máquina de café que me traz esses sentimentos? Se engana quem pensa que eu fujo da saudade. Eu convivo com ela! Faz parte do meu dia a dia, sempre longe de alguém que amo, onde quer que eu esteja. Eu brinco com a saudade, deixo que ela me leve para onde quiser e depois agradeço por me deixar sempre tão claro tudo o que amo. Ela vem em todos os passeios pelas “coisas”, quando aperta mais forte, deixando bem marcante a sua presença e depois volta a sua posição original, sempre ao meu lado, sem muito atrapalhar, mas persistente. Todos nós temos o poder de reviver o que é bom, de sentir mais perto quem amamos, basta se deixar levar e retirar o lado bom da saudade, sem pesares ou melancolia. As coisas boas da vida, mesmo estando no passado, devem sempre ocupar o seu lugar: o lado bom. Parte de cada um conservar o sorriso que guardamos para cada memória. Reviver o passado, só faz sentido se for bem aproveitado, positivamente. Tiremos o pó de nossas “coisas” e deixemos a saudade nos acompanhar num passeio agradável. Depois é só sorrir e agradecer por ter motivos para senti-la.
Obrigada por esse café de hoje, pai!

Foto: Ilustração
Comments